Precisamos falar sobre Sartori

"Do 'Meu Partido é o Rio Grande' não se teve mais notícias. Mas seu partido, o PMDB, levou onze (11) secretarias, sete (07) fundações, quatro (04) empresas públicas, um banco, e mais de 60% dos cargos em comissão."  (Foto: Caroline Ferraz/Sul21)

“Do ‘Meu Partido é o Rio Grande’ não se teve mais notícias. Mas seu partido, o PMDB, levou onze (11) secretarias, sete (07) fundações, quatro (04) empresas públicas, um banco, e mais de 60% dos cargos em comissão.”
(Foto: Caroline Ferraz/Sul21)

Marcelo Danéris (*)

No transe da crise nacional talvez você tenha esquecido algo importante: Sartori está governando o estado do Rio Grande do Sul. O então candidato sem programa e sem partido, que fazia piadas sobre professores procurando piso na Tumelero e citações filosóficas dos Simpsons, habita o Palácio Piratini há um ano e meio.

Logo após eleito, Sartori declarou, com a peculiar profundidade: “a ficha ainda não caiu” e “vamos fazer o que é preciso”. Desde lá a ficha caiu, e ele faz o que é preciso, para quem não precisa. O ilusionismo político começa com a imagem obtusa que se deixa mostrar em público. Como um professor de filosofia, ex-vereador, ex-deputado estadual por cinco mandatos, ex-deputado federal, ex-secretário no governo Pedro Simon e prefeito por oito anos, seria tão desconexo? Ilusão! Com a engendrada aparência de desorientação, Sartori age nas sombras da crise e na ausência de compromissos de campanha.

Do “Meu Partido é o Rio Grande” não se teve mais notícias. Mas seu partido, o PMDB, levou onze secretarias, sete fundações, quatro empresas públicas, um banco, e mais de 60% dos cargos em comissão. O restante foi dividido por um condomínio de 10 partidos aliados.

Nos primeiros dias de Palácio, ao ajeitar o quadro de Antônio Britto na parede, Sartori se viu refletido. Com a mesma intensidade do ex-governador, nutre pelo Estado o idêntico desejo de vê-lo mínimo. Atrasa e parcela salários dos servidores, pedala o pagamento de fornecedores, aumenta impostos, reduz recursos da educação, descumpre os 12% da saúde, abandona programas sociais e convênios com prefeituras, paralisa obras e manutenção de estradas, sucateia órgãos estaduais (EGR, Fepam, CEEE, Emater), limita o crédito, interrompe concursos. Um duro ajuste fiscal, para os outros, diga-se.

Do roteiro pré-estabelecido, acordado com poucos e omitido da maioria, Sartori errou a estratégia da dívida do estado com a União: não aproveitou o espaço fiscal da reestruturação da dívida – algo em torno de dois bilhões de reais –, e ainda assiste suas ações judiciais serem pedaladas pelo Supremo Tribunal Federal. Restou raspar a conta dos depósitos judiciais, que jurou não mexer!

Ao melhor estilo nonsense político, sugeriu aos servidores com salários atrasados “dar graças a Deus que têm estabilidade”, e dançou alegremente na Expointer um dia antes de anunciar novo parcelamento salarial. Questionado sobre a crise do estado, leu frase de Albert Einstein sem citar o autor. Comédia e tragédia de um governo. Assim como Dilma, Sartori “pedalou”, tem baixa popularidade e a economia está em crise. Nem por isso ruborizou ao justificar, em vídeo, a votação do impeachment da presidenta pela Câmara dos Deputados: “a paciência dos brasileiros passou do limite”. No despudor, esqueceu-se dos gaúchos, e demonstrou uma paciência ilimitada com o correligionário Eduardo Cunha – antes, durante e depois da queda.

O Rio Grande sofre uma crise sem precedentes na segurança pública, caiu de 4º para o 6º lugar nas exportações, tem a pior taxa de desemprego desde a crise internacional de 2008, perdeu recursos dos programas federais e a infraestrutura recuou aos patamares dos anos 80. Com o estado paralisado, Sartori recorreu à velha malinha de papelão que mostrava nos programas eleitorais para, de lá, retirar a nova com a qual pretende salvar seu governo: vender patrimônio público e entregar as estradas à iniciativa privada. A fórmula mágica, tentada por Britto há mais de vinte anos, tem resultados bem conhecidos.

A população, ao abandono, assiste a tudo trancada em casa, com medo da violência, salários atrasados, serviços precários, estradas ruins, e quase sem ter a quem recorrer. Colunistas e jornais, antes implacáveis críticos, silenciam. Não há enigma: Sartori materializa aqui o mesmo projeto que desejam ver aplicado ao país. Das sacadas gourmet espera-se, em vão, o bater das panelas. A indignação é seletiva. Dos empresários, fiéis vigilantes do bolso, tão pouco. Adormece em algum lugar seguro, longe do impostômetro, a revolta com o aumento do ICMS.

Pode até não parecer, mas o governador e seus apoiadores, no embalo da crise nacional, já sonham com a reeleição como prêmio por cumprir o “dever de casa”. Não é mais possível adiar: precisamos falar sobre Sartori.

(*) Cientista Político, ex-secretário do estado.

Sobre maweissheimer

Bacharel e Mestre em Filosofia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Trabalho com Comunicação Digital desde 2001, quando foi criada a Agência Carta Maior, durante a primeira edição do Fórum Social Mundial. Atualmente, repórter no site Sul21 e colunista do jornal Extra Classe.
Esse post foi publicado em Política e marcado , , , , . Guardar link permanente.

2 respostas para Precisamos falar sobre Sartori

  1. JotaEsse disse:

    O estado está um porcaria, tens razão. Porém, discordo quanto à concessão de rodovias. Sugiro que o articulista pegue a BR 290 (federal!) em direção ao interior do estado e veja a lamentável situação.
    Não tem desculpa, é pura demagogia querer manter rodovias de trânsito intenso na mão do governo, que não consegue manter em mínimas condições.

  2. Maria disse:

    Faço das suas palavras, o meu desabafo… Estou revoltada com o que vejo na administração do estado! Um estado rico como o nosso, sucumbir aos desgovernos sucessivos… O Sartori pode sim se espelhar no Brito! Ambos se assemelham por demais… E ambos iludiram os Gaúchos com sua fala mansa…
    E ainda tem coragem de debochar de nós ! Expondo na internet seu contracheque, como se sua subsistência dependesse desse ordenado… Ele subestima nossa inteligência!!! Tenho 69 anos e nunca me senti assim: humilhada, mendigando pelo seus proventos, pagos a conta-gotas… Dependendo de entrada de receita! Inacreditável! É inaceitável! Imagina os outros estados da federação, com muito menos receita que o nosso valoroso RS!

Deixe um comentário