A privatização de Porto Alegre e a verdadeira face do vandalismo

 Na reta final da campanha eleitoral, Porto Alegre vive uma situação paradoxal. Se, por um lado, as pesquisas dão amplo favoritismo ao atual prefeito José Fortunati (PDT), nas ruas eclodiu um movimento social formado basicamente de jovens protestando contra a privatização de espaços públicos e culturais da cidade e também contra o crescente cerceamento de espaços e tempos de lazer. Na quinta-feira à noite, quando Fortunati passeava tranquilamente pelo debate da RBS, cujo formato permitiu que ele fosse questionado uma única vez pela deputada federal Manuela D’Ávila (PCdoB) e nenhuma vez pelo deputado estadual Adão Villaverde (PT), as duas principais candidaturas da oposição, o protesto que iniciara no final da tarde em frente à prefeitura terminou em choque com a polícia no Largo Glenio Peres, na área agora sob a responsabilidade da Coca-Cola, onde estava instalado um boneco inflável do Tatu-Bola, mascote da Copa de 2014.

Para quem não vive em Porto Alegre, as referências podem ser confusas. A prefeitura de Porto Alegre repassou para a Coca-Cola a tarefa de “cuidar” do Largo Glênio Peres, uma das áreas mais tradicionais do centro da capital e espaço histórico de manifestações sociais, culturais e políticos. Em troca de algumas “obras” no Largo, como um insólito conjunto de chafarizes, cujo maior feito até agora foi alagar o comício de encerramento do candidato Villaverde, a Coca Cola está explorando publicitariamente o Largo. A iniciativa não é isolada. Outros espaços públicos da cidade estão sendo repassados pela gestão Fortunati para a iniciativa privada, como é o caso do Auditório Araújo Viana, agora sob os cuidados da produtora Opus. O ufanismo empreendedorista embalado pelas “obras da Copa” justifica a invasão privada de espaços públicos na cidade.

Na terça-feira desta semana, uma inacreditável manchete do jornal Zero Hora afirmava em tom de denúncia: “Norma que restringe altura dos prédios impede a capital de crescer na Zona Norte”. Como bem observou Cristóvão Feil, no Diário Gauche, o grupo RBS perdeu todo o pudor, reivindicando diretamente os interesses da livre especulação imobiliária selvagem em Porto Alegre. RBS que tem um braço no setor imobiliário chamado Maiojama. Nos últimos anos, boa parte dos chamados formadores de opinião dos veículos do Grupo RBS cumpre o papel de defender com denodo os interesses comerciais e econômicos estratégicos de seus patrões, silenciando sobre os atropelos de normas urbanísticas ou ambientais ou defendendo abertamente tais interesses. Não foi nada surpreendente, portanto, que surgidas as primeiras notícias sobre o confronto no largo Glênio Peres, jornalistas da RBS já denunciassem os “vândalos” que estavam destruindo o boneco do Tatu Bola. Alguns deles se apressaram a associar ao episódio à destruição do relógio dos 500 Anos, durante o governo Olívio.

Mas voltemos ao paradoxo da reta final dessa eleição. Uma das razões possíveis pelas quais Fortunati transitou com relativa tranquilidade pela campanha eleitoral foi a não tematização dos assuntos citados acima pelas principais candidaturas da oposição. Esse tema já foi abordado aqui no blog. O vazio, na política, sempre cobra seu preço. Vazio, neste caso, causado por escolhas feitas pelos principais partidos de oposição. Escolhas, aliás, que não se limitam ao processo eleitoral. A crescente privatização de espaços públicos em Porto Alegre passeia também com relativa tranquilidade pela Câmara de Vereadores, com algumas honrosas exceções no PT e no PSOL, insuficientes porém para gerar um debate público na cidade.

Diante da fragilidade política dos partidos, as ruas começam a canalizar a insatisfação que vem se acumulando há alguns meses. Aí está o paradoxo. Fortunati poderá ser eleito neste domingo com uma fraca oposição partidária, mas já com uma forte oposição social nas ruas.

Cabe um registro ainda sobre a ação da Brigada Militar no episódio. Os vídeos que circularam durante todo o dia pela rede são suficientes para expor a violência desmedida por parte dos brigadianos. Mesmo diante de eventuais excessos por parte de alguns manifestantes, não há nenhuma justificação para as cenas que se vê, incluindo agressões contra quem estava filmando o episódio (o que, aliás, não é a primeira vez que acontece). Erra o governo do Estado ao não proferir nenhuma palavra crítica à ação da Brigada que, infelizmente, parece sempre pronta a demonstrações de força equivocadas, contra quem deveria proteger. Nos últimos anos, entre outras coisas, matou um sindicalista e um sem-terra aqui no Rio Grande do Sul em função dessa truculência. As fotos de quinta à noite mostram uma barreira de viaturas e policiais para defender o Tatu-Bola dos “vândalos”.

De fato, Porto Alegre vem sendo alvo de uma onda de vandalismo. Os espaços públicos da cidade estão sendo privatizados. A especulação imobiliária avança sobre áreas públicas e de preservação ambiental. A população mais pobre está sendo empurrada cada vez mais para a periferia. A criminalização das áreas frequentadas pela juventude é crescente. O maior grupo midiático da cidade defende abertamente a subordinação do interesse público aos interesses comerciais do setor imobiliário. E as chamadas forças de segurança estão aí para defender essa agenda e seus agentes públicos e privados. Mas as ruas começam a opor resistência aos vândalos e ela pode estar só começando.

(*) Imagem: Vândalos saqueiam Roma.

Sobre maweissheimer

Bacharel e Mestre em Filosofia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Trabalho com Comunicação Digital desde 2001, quando foi criada a Agência Carta Maior, durante a primeira edição do Fórum Social Mundial. Atualmente, repórter no site Sul21 e colunista do jornal Extra Classe.
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18 respostas para A privatização de Porto Alegre e a verdadeira face do vandalismo

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  2. Leandro disse:

    Não é por acaso que os defendem esse vandalismo e ativismo político partidário, disfarçado de ‘movimento social’, sentem-se a vontade para defender ícones da corrupção deste país, a saber, José Dirceu, Genoíno, entre outros.

  3. Enrico Canali disse:

    Talvez não seja de conhecimento de todos os leitores, mas nunca é demais lembrar: MAIOJAMA é um acrônimo de MAurício, IOne, JAime e MArcos (Sirotsky, evidentemente).

  4. Dutra disse:

    Que baboseira sem fim. Partidarismo vagabundo, não discute mérito, só tenta usar eleitoralmente uma série de fatos isolados.
    Você prefere o Araújo em que foram gastos milhões de reais pelo PT numa obra mal executada que condenou o espaço ao fechamento ou um espaço bem cuidado, bonito e adequado para shows, tendo 50 dias por ano a disposição do município??
    Engraçado que quando o Araújo estava abandonado há pouco tempo, um ponto de crack e prostitutas e completamente inacessível a qualquer cidadão de bem, ninguém reclamava desta falta de espaço, agora que está tudo bonito e com uma disposição de muitos dias por ano para a prefeitura virou um problema????
    Isso não é privatizar espaço público, isso é saber fazer parcerias para melhorar a cidade. Do que adiante ter um espaço público se ele está abandonado pelo descaso e incompetência do PT quando dirigia a cidade??
    É como o Villa falando que vai fazer trocentos quilômetros de ciclovia e vai resgatar o aeromovel no debate da RBS. Quem acredita nisso????
    O PT ficou 16 anos no poder e nunca deu bola pro aeromovel, nunca construiu um quilômetro de ciclovia.
    Este partidarismo burro praticado aqui e em Porto Alegre é o que faz a cidade ser hoje uma cidade atrasada e retrógrada.
    E queria ver um texto seu sobre o piso dos professores, você está mais preocupado com um chafariz feio do que com a educação das crianças?? Ou só importa o que te interessa por causa do seu partido????

  5. Jac Sanchotene disse:

    O silêncio do Governador Tarso Genro envergonha todos gaúchos que o elegeram em primeiro turno.

  6. walmor sperinde disse:

    O que me intriga e não pôde escapar à lupa deste observador, é o fato de que o episódio referido do Tatu da Copa, poderia ter esperado um pouco mais para eclodir, quem sabe, passada as eleições deste domingo. A coincidência intrigante é que o movimento, a manifestação “política” destes jovens, ataca a gestão municipal e a figura do candidato dito preferido nas pesquisas, o candidato com chances reais de vitória já no primeiro turno destas eleições; coincidentemente, ou não, criou-se um fato político que repercutiu negativamente na imagem do candidato e atual chefe do executivo municipal; não estar-se-ia diante de mais um episódio do tipo “caras pintadas”, em que as “massas” foram nitidamente manobradas?

  7. Manoel Araujo disse:

    Eu concordo com o autor do texto. Quando não concordamos devemos destruir, prinicipalmente se formos jovens, cabeludos, sujos. Pois é o esteorótipo dos justos, dos explorados. Representam o povo desta cidade. Todos nós nos indentificamos com eles , toda a sociedade os apoia. Todos dividimos as idéias do PSTU e PSOL. Acho que deveriamos invadir a RBS e queimar os arquivos, eles manipulam a opinião da burguesia. Queimemos a Burguesia, pela extinção do Tatu Bola o simbolo do imperialismo yankee, Vamos nos organizar para destrui aquilo que é contra nossa maneira de pensar. Nos miremos no exemplo dos jovens Maoistas da Revolução Ciltural, dos camisas pardas na Alemanha de Hitler, dos camisas pretas de Mussolini.

  8. carlos disse:

    parabéns a brigada militar, da-lhe pau nestes vândalos que destroem o patrimônio público!

  9. felipe disse:

    Texto tosco, ridículo. TEM QUE PRIVATIZAR MESMO! A praça era uma merda, agora ta razoável e com um tatu no meio, que crime, não? Essa esquerdalha…

    Sabe por que o fortunati tá na frente nas eleições? Eu respondo: Não é porque “a oposição não tematiza atos como este” e sim porque a esquerdalha NÃO é maioria, mas sim são os mais chatos, por isso aparecem mais, e quando aparecem, é pra fazer VANDALISMO, como foi visto ontem.

    Sem mais

  10. felipe disse:

    E OUTRA: não precisa digitar todo texto em formato de “indireta”, tentando bancar o “meio-termo” ou o “imparcial”, pode falar na CARA, todo mundo tá vendo o esquerdista que o autor é!

  11. Klaus disse:

    Coca-cola é entorpecente cancerígeno, Mac-Donalds é câncer com um plus a mais de crueldade e desrespeito aos humanos e outros animais. Ambas empresas malfeitoras apoiadas publicamente pela prefeitura. Tem um site que trata unicamente da crueldade praticada pelo Mac-Donalds:

    http://www.mccruelty.com/

    Crueldade similar a praticada pelo cidadão comum dependendo dos ´produtos´ que ele põe na cesta de compras.

    A não-violência deve ser um princípio básico de todo ativista começando pela coerência em não apoiar o atual sistema ao patrocinar grandes indústrias que vendem cervejas, refrigerantes, cigarros e derivados do holocausto não-humano.

    É tão difícil mudar o mundo quanto é mudar a nós mesmos.

    Enquanto um movimento for coerente na não-violência ele será imbatível e infalível. Um foco de violência dentro de um movimento pacífico compromete o sucesso do todo.

    Devemos sempre lutar pela libertação de todos inclusive de policiais e donos de empresas multinacionais pois as próprias empresas e cargos são ilusões humanas.

    Sentir ódio ao invés de Amor é uma péssima estratégia.

    • SenhorF disse:

      Coca-Cola faz mal. McDonalds faz mal. Maconha faz mal. Cigarro faz mal. Beber água quente faz mal (como nós gaúchos bem sabemos dado o elevado indice de câncer na garganta e boca que temos pela prática do chimarrão). Muitas coisas fazem mal.

      As pessoas devem ser livres para consumirem coisas que fazem mal para ela. Todo esse discurso se paz e amor que leio entre os ambientalistas e anti-Coca-Cola desaparece quando se considera que o futuro esperado por eles seja um estado bem forte dizendo o que pode e o que não pode ser feito.

      Você não gosta de coca-cola? Fale contra ela. Não consuma. Mas não tenha a indelicadeza de sequer insinuar que eu não tenho direito de bebê-la.

  12. Texto tendencioso. O Araújo Vianna estava abandonado, parado há vários anos, sem que o Estado conseguisse bancar sua reforma ou sua manutenção. Se a Opus não tivesse vencido o edital da licitação, o auditório ainda estaria fechado e em situação precária. É a mesma situação das várias praças de Porto Alegre, que não conseguem ser mantidas pelo Estado e precisam de pelo menos um investimento da iniciativa privada para continuar belas e bem cuidadas. A Copa está chegando, as obras precisam – desesperadamente – sair e o dinheiro não é de sobra. Daí me vem um bando de gurizada sem nada pra fazer, que se acham os esquerdistas revolucionários e vão se manifestar e praticar atos de vandalismo “contra a privatização”. Claro que a força usada pelos policias foi desmedida, mas os manifestantes não eram inocentes. Não digo que deveriam ter apanhado como apanharam, mas tinham que ser expulsos dali com mão firme.
    Se toquem. Estatais funcionaram no governo Getulista. Depois dele, nunca houve um governante com força de vontade o suficiente para manter na palma da mão o povo, o governo e as estatais. A iniciativa privada é o que vem tocando este país.

    • rsurgente disse:

      E o seu comentário, é claro, não é tendencioso…

    • Enrico Canali disse:

      “A iniciativa privada é o que vem tocando este país.”

      Suponho que você não esteja falando das teles e outras empresas campeãs em reclamações e ações judiciais, e nem de empreiteiras sustentadas por relações promíscuas com o poder público, nem tampouco de megaempresários tratados a pão-de-ló por empréstimos subsidiados do BNDES ou montadoras beneficiárias de generosos incentivos fiscais, né?

  13. funcionário disse:

    Assim como é errôneo dizer que tudo que é estatal funciona de modo ineficiente, o mesmo pode-se dizer de que a iniciativa privada é a “salvação da lavoura”.
    Principalmente, este iniciativa privada que ronda os governos em todas as esferas. São, muitas vezes, empreiteiras com empregados de pouca qualificação, prestando um serviço que o funcionário público, depois, terá de refazer, pois foi mal feito.
    Não se iludam, em grande parte das vezes, é esta iniciativa privada que deseja abocanhar fatias cada vez maiores do que é público.
    Vide o caso da Sollus, da empresa Reação,das “empreiteiras” de concursos públicos e suas provas copiadas de outros certames, da Qualix do recolhimento de lixo que deixou POA às moscas, assim como da Construtora Marco que trocou o material da obra do PISA e a base de uma casa de bombas desabou matando 2 operários.
    É isto que atende o serviço público e não empresas com idéias inovadoras e gestão eficiente. São, apenas, futuros financiadores de campanha política. nada mais.
    A associação com empresas de reconhecida idoneidade e eficácia, é bem-vinda, através dos PPPs. Agora, a entrega pura e simples do patrimônio público, não.
    No caso do confronto, houveram excessos da parte à parte, mas os brigadianos tinham armas não letais e outros artefatos. Então, há um grau de prevalecimento.
    Não à anarquia,mas, também, não à alienação.

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