A RBS e o golpe: R$ 8 milhões em publicidade em um ano e meio de Temer

(*) Artigo publicado no livro Enciclopédia do Golpe vol. 2: O Papel da Mídia, uma publicação conjunta do Instituto Defesa da Classe Trabalhadora, Instituto Joaquín Herrera Flores e Projeto Editorial Práxis)

Marco Weissheimer

O Grupo RBS (Rede Brasil Sul de Comunicação) é um conglomerado de mídia brasileiro, fundado em 31 de agosto de 1957 por Maurício Sirotsky Sobrinho. O vídeo institucional que conta a história do grupo [1] afirma que a empresa nasceu no “tempo que surgiu o Brasil campeão”, que Brasília foi inaugurada, que nasceu a TV Globo, a TV a cores e também “o cinza da ditadura”. “Sempre carregamos, com orgulho, a bandeira da imprensa e da democracia”, diz outro trecho do vídeo. A expansão do grupo se consolidou na década de 1970, durante a ditadura militar, quando foi criada  a sigla RBS, inspirada no formato de três letras das gigantes norte-americanas CBS, NBC e ABC. A partir de boas relações estabelecidas com os governos da ditadura militar e da ação articulada com a Rede Globo, a RBS foi conseguindo novas concessões, diversificando seus negócios e se tornando o maior grupo de comunicação do sul do Brasil.

A participação da mídia brasileira no golpe de 64 e na ditadura que se seguiu a ele é um episódio que ainda está para ser plenamente contada. Essa história ainda está repleta de lacunas e zonas cinzentas nesta história. E isso não parece ocorrer por acaso. Muitos dos compromissos e interesses que levaram a parte majoritária da imprensa brasileira a se aliar com setores golpistas e autoritários permanecem presentes e se manifestaram agora, mais uma vez, no processo de golpe contra a presidenta Dilma Rousseff, eleita em 2014 com mais de 54 milhões de votos. Uma das formas de buscar preencher as lacunas e silêncios dessa história é pesquisar os editoriais dos veículos destes grupos midiáticos que expressaram a posição dos mesmos em momentos graves da história do país. A aversão da grande mídia brasileira à democracia, ao contrário do que o vídeo institucional da RBS afirma, fica exposta nestes editoriais.

A certidão de batismo do jornal Zero Hora é marcada pelo apoio ao golpe de 1964 e à ditadura civil que se seguiu ao mesmo. Três dias depois da publicação do Ato Institucional n° 5 (AI-5), em 13 de dezembro de 1968, ZH afirmava que “o governo federal vem recebendo a solidariedade e o apoio dos diversos setores da vida nacional”. No dia 1° de setembro de 1969, o jornal publica um editorial intitulado “A preservação dos ideais”, exaltando a “autoridade e a irreversibilidade da Revolução”. “Os interesses nacionais devem ser preservados a qualquer preço e acima de tudo”, diz a última frase do texto.

Reprodução

Outro editorial, intitulado “A ação dos comunistas”, afirma que “a inflação galopante era deliberadamente feita pelo governo deposto (de João Goulart) para levar você ao desespero e à adesão às violências do comunismo. “Os comunistas que dominavam o governo”, acrescenta, “criavam situações de medo e insegurança no país, a fim de levar o Brasil à miséria e ao caos e, assim, imporem a sua ditadura contra o nosso Deus e a nossa liberdade. Colabore você também na consolidação e salvaguarda da Democracia, anulando a ação nefasta dos comunistas”.

Na década de 90, o grupo participou ativamente do processo de privatização da telefonia no Brasil. Segundo pesquisa realizada por Suzy dos Santos (do Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Culturas Contemporâneas da Faculdade de Comunicação da UFBA e Sérgio Capparelli (do Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Informação da Fabico/UFRGS), a RBS esteve presente em praticamente todos os momentos do processo de privatização das telecomunicações no país [2] . Em 16 de dezembro de 1996, ganhou a licitação para a privatização de 35% da Companhia Riograndense de Telecomunicações (CRT), comandada pelo então governador Antônio Britto (ex-funcionário da RBS), através do consórcio Telefônica do Brasil.

O golpe contra Dilma: “a democracia não está ameaçada”

Quarenta e sete anos depois, um novo golpe no Brasil, novos editoriais alinhados com os protagonistas da interrupção da democracia. Desta vez, o editorial é um pouco mais sofisticado e se concentra em negar que o golpe é golpe. No dia 13 de abril de 2016, Zero Hora publica um editorial intitulado “A democracia não está ameaçada”, defendendo o processo de impeachment, liderado pelo deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ) na Câmara dos Deputados. Na opinião do jornal do Grupo RBS, esse processo “está sendo conduzido de acordo com os preceitos constitucionais”. O editorial condena aqueles que “tentam confundir a opinião pública aqueles que dizem que a democracia está ameaçada pelo processo de impeachment”.

No dia 1º de setembro de 2016, após a confirmação do impeachment de Dilma, um novo editorial afirma que “o Senado cumpriu seu papel dentro de uma visão jurídica, legal e democrática” e defende a implementação de “reformas emergenciais para colocar o Brasil nos trilhos”.

Praticamente todos os grandes grupos de comunicação do país defenderam a mesma posição. E foram recompensados por essa postura. O governo de Michel Temer gastou praticamente toda a verba de publicidade prevista para 2017 – mais de R$ 200 milhões – somente no primeiro semestre. Só a campanha publicitária em defesa da reforma da Previdência consumiu aproximadamente metade desse valor. Além da concessão de cargos e emendas parlamentares, a propaganda também virou moeda de troca em busca de votos no Congresso para a aprovação dessa reforma.

Após o golpe, verbas publicitárias…

A campanha publicitária em defesa da reforma da Previdência drenou, em 2017, mais de R$ 100 milhões para as empresas de comunicação, um gasto quase dez vezes maior do que o orçamento previsto originalmente (cerca de R$ 13 milhões). Os meios que receberam mais dinheiro foram: TV (R$ 57,4 milhões), rádio (R$ 19,3 milhões), mídia exterior (R$ 10,7 milhões), internet (R$ 4,9 milhões), jornal (R$ 4,5 milhões) e revistas (R$ 3,08 milhões). Para se ter um termo de comparação, no período entre janeiro e junho de 2017, os programas governamentais destinados à defesa dos direitos da mulher receberam apenas R$ 28 milhões.

Essa tática começou a ser implementada ainda no processo de impeachment de Dilma Rousseff, quando Michel Temer assumiu interinamente a presidência. Os gastos do governo federal com publicidade cresceram 65% no primeiro semestre de 2016 em comparação com o mesmo período do ano anterior. Segundo levantamento do site Contas Abertas, esses gastos subiram de R$ 234,1 milhões (2015) para R$ 386,5 milhões (2016). A maior parte deles foi realizada um mês antes de Dilma Rousseff ser afastada do Palácio do Planalto pelo Senado e no mês posterior à posse de Temer. Em junho de 2016, os gastos foram de R$ 82,1 milhões, valor cerca de 50% maior que o registrado em junho do ano anterior.

Se, por um lado, o governo Temer aplicou cortes brutais de investimentos em Saúde, Educação, Infraestrutura, Políticas sociais, por outro, foi extremamente generoso na destinação de recursos para a mídia. Segundo dados da própria Secretaria de Comunicação (Secom), só as revistas Veja e Caras, pertencentes ao mesmo grupo, tiveram um aumento de quase 400% nas verbas publicitárias destinadas pelo governo federal. Em dezembro de 2016, a revista Isto É concedeu a Michel Temer o prêmio de Homem do Ano. Foi um gesto de agradecimento. Ao longo do ano, a publicação teve um aumento de 850% na receita oriunda de publicidade federal. A revista Época que, em 2015, havia recebido R$ 89.322,00 em propaganda, recebeu R$ 1.061.337,00 em 2016, um aumento de mais de 1000%. O jornal Zero Hora também teve um aumento expressivo, 221,8%, saltando de R$ 104.764,00 em 2015 para R$ 337.118,00 em 2016.

Segundo dados do Departamento de Mídia da Secretaria Especial de Comunicação Social da Secretaria-Geral da Presidência da República, entre 1º de junho de 2016 e 31 de dezembro de 2017, o governo Temer destinou R$ 8.006.729,47 em verbas de publicidade para os veículos do Grupo RBS [3]. A distribuição desses recursos, segundo a Secom, foi a seguinte:

Diário Gaúcho – R$ 309.470,59
Zero Hora – R$ 2.370.552,28
Rádio Gaúcha Porto Alegre – R$ 2.722.361,55
Rádio Gaúcha Santa Maria – R$ 16.331,19
Rádio Gaúcha Serra Caxias do Sul – R$ 28.269,91
Rádio Gaúcha Zona Sul Rio Grande – R$ 5.838,93
TV RBS – R$ 1.520.730,15
CLICRBS RS – R$ 187.950,17
Diário Gaúcho (site) – R$ 55.038,45
Rádio Gaúcha AM (site) – R$ 48.784,53
Zero Hora (site) – R$ 429.294,78

O julgamento de Lula

Coincidência ou não, o comportamento editorial da RBS está alinhado com as agenda de “reformas” propostas pelo governo Temer, como a Trabalhista e da Previdência, apontadas como medidas necessárias para a “modernização” do país. Esse alinhamento se dá em entre outros temas, como na tentativa de criminalização dos movimentos sociais. No dia 18 de dezembro de 2017, um editorial do jornal Zero Hora intitulado “O Judiciário ameaçado”, comparou uma ação de criminosos em no município de Marau, localizado no norte do Estado, com as mobilizações dos movimentos sociais em defesa de Lula. O editorial coloca no mesmo pacote “líderes do crime organizado e da área política”, como ameaças à “livre atuação do Judiciário”.

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O editorial condena a intenção do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) de promover um acampamento em Porto Alegre durante o julgamento do ex-presidente Lula, dia 24 de janeiro, no tribunal Regional Federal da 4ª Região. Além disso, cita que “militantes de outras entidades estariam também sendo convocados pelo ex-ministro José Dirceu para um denominado dia da revolta”. “São atitudes imprudentes e condenáveis”, acrescenta o texto que adverte para o risco do Brasil “virar uma Colômbia”. “O Brasil não pode virar uma Colômbia, onde juízes tinham de se esconder atrás de máscaras, ou uma República bananeira, na qual movimentos sociais acham que podem ganhar no grito ações para quem sempre os financiou”.

Entre os dias 22 e 24 de janeiro, algumas dezenas de milhares de pessoas se reuniram em Porto Alegre para manifestar apoio a Lula. Nenhuma das previsões alarmistas dos editoriais de Zero Hora se realizou. Na manhã do dia 22, quando cerca de dois mil integrantes do MST e da Via Campesina chegaram à capital gaúcha para acompanhar o julgamento, a manchete do site de ZH destacava os problemas no trânsito causados pelas manifestações. Um acordo firmado entre os movimentos sociais, Ministério Público Federal e Secretaria Estadual de Segurança garantiu a instalação do acampamento no Anfiteatro Pôr do Sol e outras manifestações. As previsões alarmistas da RBS não se confirmaram.

No dia 25 de janeiro, Zero Hora afirma que tudo “transcorreu de forma corriqueira e dentro da mais absoluta normalidade jurídica, como ocorre todos os dias nos demais tribunais do país”. O julgamento, acrescenta, “reafirmou a normalidade jurídica e ajudou a pôr por terra a delirante tese de uma conspiração das elites com o judiciário e a mídia para tirar a candidatura do povo do caminho das urnas”.

A Operação Zelotes

Mas o noticiário dos veículos do grupo RBS em torno do golpe e de seus desdobramentos políticos e econômicos também é feito de silêncios. Um dos mais eloquentes está relacionado às denúncias da Operação Zelotes, que recaem sobre o grupo.  Em março de 2016, essa operação denunciou um esquema de fraudes tributárias envolvendo grandes empresas brasileiras e multinacionais. As investigações foram conduzidas por uma força-tarefa formada pela Receita Federal, Polícia Federal, Ministério Público Federal e Corregedoria do Ministério da Fazenda.

O Grupo RBS, a Gerdau, os bancos Bradesco, Santander, Safra, Pontual e Bank Boston, as montadoras Ford e Mitsubishi e um grupo de outras grandes empresas estão sendo investigadas pela suspeita de pagamento de propina a integrantes do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais para anular multas tributárias milionárias. Segundo as investigações, pelo menos 74 processos tributários podem ter sido fraudados, provocando um prejuízo de aproximadamente R$ 21,6 bilhões aos cofres públicos. Os casos investigados teriam ocorrido entre os anos de 2005 e 2015.

Um relatório encaminhado pelo Ministério Público Federal ao Supremo Tribunal Federal apontou uma teia de relações entre o grupo RBS, empresas de consultoria no setor tributário e João Augusto Nardes, ex-deputado federal pelo PP-RS e atual ministro do Tribunal de Contas da União (TCU). Nardes foi um dos protagonistas do processo de impeachment contra Dilma Rousseff, recomendando a rejeição das contas da presidenta em 2014. Segundo o relatório do MP, Nardes “possuía bom trânsito perante a RBS, inclusive se utilizando dos microfones das emissoras do grupo quando almejava aparecer na mídia”. O inquérito da Zelotes envolvendo a RBS e João Augusto Nardes aguarda julgamento no Supremo Tribunal Federal [4] . O inquérito corre em segredo de justiça.

Notas

[1] Disponível na página do Grupo RBS (http://www.gruporbs.com.br/quem-somos/nossa-historia/)

[2] “RBS: novas tecnologias e convergências das teles e da TV a cabo”

[3] Dados obtidos pela Lei de Acesso à Informação (Lei nº 12.527/2011). A Secom incluiu neste valor dois veículos que não pertencem mais ao Grupo RBS: Diário Catarinense (R$ 310.316,14) e Hora de Santa Catarina (R$ 1.790,80). Esses dois valores, em princípio, devem ser subtraídos da soma total informada pela Secom.

[4] No dia 26 de dezembro de 2017, o relator do processo, ministro Ricardo Lewandowski, enviou sua conclusão para a presidência do STF. Até o dia 31 de janeiro de 2018, não havia previsão para o julgamento.

Sobre maweissheimer

Bacharel e Mestre em Filosofia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Trabalho com Comunicação Digital desde 2001, quando foi criada a Agência Carta Maior, durante a primeira edição do Fórum Social Mundial. Atualmente, repórter no site Sul21 e colunista do jornal Extra Classe.
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